O governo do Marrocos proibiu que um “navio de aborto” holandês atracasse num de seus portos nesta quinta-feira. Foi a primeira vez que a embarcação tentou visitar um país islâmico, para falar sobre métodos seguros de aborto.
A decisão foi tomada pelo ministro do Interior, Mohand Laenser. Autoridades portuárias não se pronunciaram sobre o assunto.
O navio, pertencente à ONG holandesa Mulheres Sobre as Ondas, já visitou países tradicionalmente católicos, como Espanha, Portugal e Irlanda, sempre convidado por grupos feministas locais. Dessa vez, a intenção era chegar a Smir, no norte do Marrocos, mas a embarcação encontrou o porto fechado.
“Vários navios de guerra bloquearam o porto, para que ninguém possa entrar ou sair”, declarou Marlies Schellekens, médica do Mulheres Sobre as Ondas, que desceu até a orla.
“Ainda estamos tentando entrar, mas pelo menos estamos com nossa linha de telefone aberta, para que as mulheres locais possam nos ligar e pedir informações sobre aborto.”
O grupo foi convidado ao Marrocos pela organização não-governamental Movimento Alternativo para Liberdades Individuais, que desejava educar a população local sobre o uso de pílulas para aborto. Além disso, o navio buscaria mulheres no porto e as levaria para realizar abortos em águas internacionais.
Na orla do porto de Smir, cerca de 50 manifestantes contra o aborto (na maioria, mulheres jovens) exibiam cartazes com dizeres como “deixem que eles nasçam”, “fora, assassinos!” e “crime contra a humanidade”. Os manifestantes também impediram que pessoas da ONG distribuíssem panfletos sobre o aborto em terra firme.
O governo marroquino é conduzido por islamistas moderados. “Os organizadores do movimento não pediram permissão para visitar o país. Não deixaremos que entrem”, disse o ministro Laenser.
Em junho, um cruzeiro gay também culpou autoridades marroquinas pela proibição de sua visita ao país. Seria a primeira vez que um cruzeiro do tipo visitaria um país islâmico.
PRÁTICA ILEGAL
O aborto é uma prática proibida no Marrocos, como na maioria dos países muçulmanos, e a pena para quem desobedecer essa lei é de até 20 anos de prisão. No entanto, milhares de abortos ilegais são realizados no país diariamente, em clínicas clandestinas ou com o uso de remédios, o que resulta em muitas mortes.
“No Marrocos, são feitos entre 600 e 800 abortos por dia, mas apenas 250 são realizados por médicos de maneira segura”, declarou Schellekens.
Mães solteiras marroquinas costumam abandonar seus bebês ou entregá-los para a adoção, devido ao estigma local sobre o aborto e sobre a gravidez fora do casamento.
A Associação Marroquina Contra Aborto Clandestino disse, em junho, que a legislação está totalmente desligada da realidade social do país e que o número de abortos clandestinos requer um compromisso político para mudanças urgentes na lei.
Porém, Chafik Chraibi, médico e líder da associação, se disse contra a entrada do navio, que ele considera apenas uma irritação da opinião pública. Chraibi diz entender que, ao menos, o barco holandês colocou novamente a questão do aborto para ser debatida no Marrocos.
Fonte Folha de São Paulo
Foto Fadel Senna/AFP
4 de outubro de 2012 9:37 a.m. PST