Em um único dia, Gabriel Medina fez quase o impossível para um jovem de apenas 20 anos. Na abertura do Circuito Mundial de surfe, na Gold Coast australiana, ele assombrou dois surfistas locais e colocou o Brasil no topo do pódio na etapa da terra dos “aussies” pela primeira vez. Após vencer duas vezes Mick Fanning, atual campeão mundial, derrubou na bateria final Joel Parkinson, dono título da temporada 2012, em uma virada emocionante nos minutos finais. Com o resultado, o paulista de Maresias assumiu a liderança do WCT, com 10.000 pontos, seguido por Parko (8.000), Taj Burrow (6.500) e Adriano de Souza, o Mineirinho (6.500).
Nas ondas de Margaret River, na Austrália, Medina dará mais um passo em busca do sonho do primeiro título mundial do país. A estreia na segunda etapa do Circuito Mundial, de 2 a 13 de abril, será na 12ª bateria, com o havaiano John John Florence e o americano Kolohe Andino em seu caminho. A previsão é que a competição comece às 20h (de Brasília).
O fenômeno do surfe recebeu a reportagem do GloboEsporte.com na casa em que está hospedado no oeste do país, com o padrasto, Charles Saldanha, e o videomaker Henrique Daniel. Em meio a cangurus e ondas, Gabriel falou sobre a busca pelo título inédito, a solidão do Circuito Mundial, a inspiração no ídolo Ayrton Senna, os perigos do surfe e o apoio dos pais:
Gabriel Medina
– Eu vou tentar continuar tranquilo, sem pressão. É como uma bateria, você pode ter tirado um 10 ou ter batido o Kelly na bateria anterior, mas já está pensando na próxima. Começa tudo do zero. E essa etapa é assim, está começando tudo do zero. Na minha cabeça eu estou igual a eles. Vai começar mais um campeonato, independentemente se eu estou na frente ou não. Quando você está lá em cima, aí que mora o perigo. Tem gente lá de baixo que quer estar no seu lugar. Mas eu não levo isso como pressão, de ver meu nome ali em cima. Todo dia que eu acordo, acordo com um sorriso no rosto – contou Medina, nascido na pequena São Sebastião, no litoral paulista.
Terceiro colocado no ranking mundial, Adriano de Souza, o Mineirinho, também brilhou na Gold Coast. Venceu o 11 vezes campeão mundial Kelly Slater em duas baterias e viu outro brasileiro, Miguel Pupo, derrubar Josh Kerr e ir às quartas de final na primeira etapa. O bom desempenho do país voltou a deixar em evidência o “Brazilian Storm”, apelido dado à nova geração de surfistas brasileiros da elite.
– Acho que este é o melhor momento do Brasil. Tem um cara liderando o ranking, um em terceiro e outro em quinto (Miguel Pupo) entre os dez melhores. Acho que nunca aconteceu isso. Começamos muito bem. É difícil ser regular, então, o mais fácil já foi. O mais difícil é manter a constância. Falando em título mundial, boto 80%, 90% que o título vai vir para o Brasil, mas vai depender da constância – analisou o campeão na Gold Coast.
OS PERIGOS DA AUSTRÁLIA
A poderosa onda de Surfers Point, em Margareth River, é uma das mais temidas entre os surfistas. A região tem 75 picos de surfe espalhados por 130km do Cabo Naturaliste ao Cape Leeuwin. Longe das multidões, a costa banhada pelo Oceano Índico, na Austrália Ocidental, tem águas cristalinas, barreiras de coral e praias selvagens. As ondas maiores costumam aparecer no verão e no outono, mas há outros swells consistentes durante verão e primavera. Um paraíso para os amantes do esporte.
– Essa onda é bem difícil, não só para mim, mas para todos. Até para o Kelly (Slater). Mas com certeza dá para repetir. Todo mundo tem chance de ganhar, os 32 atletas do WCT. Essa etapa, se fosse para chutar agora, acho que ninguém acertaria quem vai ganhar. Vamos bateria por bateria – destacou o jovem de 20 anos, que ainda falou sobre os perigos da profissão, já que as chances de encontrar um tubarão nas águas australianas não são poucas:
– Existem várias praias no mundo com tubarão. Todos têm medo, mas é um risco que existe no nosso esporte. Já estou aqui em Margaret River há quase duas semanas treinando. Até agora não vi nenhum (risos). No ano passado, um surfista de 35 anos foi atacado numa praia próxima à Margaret.
SOLIDÃO DO CIRCUITO MUNDIAL
O fenômeno da nova geração começou a chamar a atenção cedo. Aos 15, tornou-se o mais surfista mais jovem a vencer uma etapa do Circuito Mundial e foi campeão juvenil na França, com direito a um recorde histórico de duas notas 10 na final. Apontado como o mais talentoso surfista brasileiro de todos os tempos, Medina escolheu a Costa Rica para iniciar sua preparação para o Circuito Mundial em 2013. Ao contrário de muitos surfistas, que vivem solitários nas viagens pelo mundo, o paulista, conhecido como “The Freak” (A Aberração) no exterior, tem a família como um porto seguro.
Medina está longe de casa desde o dia 12 de fevereiro e ainda deve ficar na Austrália até o dia 27 de abril. Ou seja, dois meses e meio longe da mãe, Simone, e dos irmãos, Felipe e Sofia.
– Nosso esporte é muito solitário, depende de você e você não tem um time. É você e você. E eu tenho esse privilégio de ter minha família comigo, viajando. Acho que antigamente não era assim, cada um ia por si e se virava. Isso te faz bem e não te deixa sozinho. Eu acho que se eu tivesse sozinho eu não estaria me sentindo bem, ia acabar atrapalhando os resultados e até a minha vida. A gente é privilegiado.
APOIO DOS PAIS
Mesmo quando está distante de casa, Medina encontra uma forma de entrar em contato com a família, não importa o meio de comunicação. Foi assim com a mãe antes das quartas de final da primeira etapa de 2014.
– Falei com a minha mãe no celular, e ela estava orando na igreja. Ela parou a igreja para todo mundo assistir. Ela me deu a maior força, com uma palavra da Bíblia. Somos bem próximos. Até quando eu estou me sentindo mal em qualquer lugar do mundo ela sente. Muito louco isso, só em filme. Às vezes, ela me dá palavras que eu me sinto confortável. Todas as baterias que eu vou, eu tento falar com ela antes. Celular, internet, qualquer meio. Meus pais são muito importantes na minha vida. Eles foram os primeiros a acreditar em mim, em tudo o que sou. Tendo meu pai do meu lado é um orgulho, e ele me deixa tranquilo. Eu me preocupo só com o surfe. Ele é um técnico, um pai, é tudo para mim. Os dois falam coisas que me motivam, que me colocam para cima. Me sinto orgulhoso de deixar eles orgulhosos.
A INSPIRAÇÃO EM AYRTON SENNA
Fã de Ayrton Senna, Medina tenta seguir o exemplo do ex-piloto da Fórmula 1. Como o surfista não pôde conhecê-lo pessoalmente, encontra nos livros e no cinema a sua inspiração.
– Falando de esporte solitário, o Senna é um bom exemplo. É um cara que era muito dedicado. Treinava muito, era focado e humilde. Eu não tive a oportunidade de conhecê-lo. Infelizmente, ele faleceu fazendo o que amava, que era correr. O livro e o filme dele mostram um pouco dele. Eu ganhei o livro de aniversário e, quando estou com o filme, assisto direto. Ele te motiva e mostra que ele estava 100% focado, independentemente do carro dele, ele fazia e era o melhor. O filme dele me motiva bastante, é uma inspiração. Um cara com ele não sei se já tem ou ainda vai existir, mas ele vai ser o único Ayrton Senna e ídolo eterno. É um cara que eu sempre assisti e levo ele como inspiração. E muita gente já disse que a gente tem a personalidade parecida, depois disso que eu comecei a procurar mais a história dele – finalizou.
Além de Medina, mais cinco brasileiros estão na briga pelo título do Circuito Mundial: Filipe Toledo, Raoni Monteiro, Miguel Pupo, Alejo Muniz e Adriano de Souza.
AS BATERIAS DA 1ª RODADA EM MARGARET RIVER
Bateria 1: Nate Young (EUA) x Filipe Toledo (BRA) x Aritz Aranburu (ESP) Bateria 2: Jordy Smith (AFS) x Sebastien Zietz (HAV) x Raoni Monteiro (BRA) Bateria 3: Taj Burrow (AUS) x Freddy Patacchia Jr. (HAV) x Tiago Pires (POR) Bateria 4: Joel Parkinson (AUS) x Adam Melling (AUS) x Brett Simpson (EUA) Bateria 5: Kelly Slater (EUA) x Bede Durbidge (AUS) x a confirmar Bateria 6: Mick Fanning (AUS) x Matt Wilkinson (AUS) x a confirmar Bateria 7: Julian Wilson (AUS) x Jeremy Flores (FRA) x Dion Atkinson (AUS) Bateria 8: C. J. Hobgood (EUA) x Miguel Pupo (BRA) x Travis Logie (AFS) Bateria 9: Josh Kerr (AUS) x Adrian Buchan (AUS) x Alejo Muniz (BRA) Bateria 10: Adriano de Souza (BRA) x Owen Wright (AUS) x Jadson André (BRA) Bateria 11: Kai Otton (AUS) x Michel Bourez (PYF) x Mitch Crews (AUS)
Bateria 12: Gabriel Medina (BRA) x John John Florence (HAV) x Kolohe Andino (EUA)
Fonte: G1