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Juninho se despede do futebol em São Januário

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O reinado chegou ao fim. Com os olhos marejados e emoção nas palavras, Juninho Pernambucano colocou um ponto final em sua vitoriosa carreira na tarde desta segunda-feira, em São Januário, sua principal casa durante os últimos 20 anos. Ao lado do diretor executivo de futebol do Vasco, Rodrigo Caetano, do presidente Roberto Dinamite e do vice-presidente Antônio Peralta, o Reizinho foi homenageado e chorou. Vestindo uma camisa que incentivava a doação de medula óssea, ele recebeu das mãos de Dinamite o título de sócio-proprietário benfeitor do clube.

Pouco depois, deu início a um discurso sobre a decisão mais difícil que já tomou. E, em cerca de 40 minutos de entrevista, não conseguiu conter as lágrimas ao lembrar o início de sua caminhada no Sport.

Juninho havia adiado a aposentadoria no início de 2014 para disputar, ao menos, o Campeonato Carioca. Assinou contrato até o dia 30 de maio, mas o acordo previa que o jogador poderia encerrar a carreira a qualquer momento. O Reizinho estaria a sete jogos de completar a expressiva marca de 400 com a camisa do Vasco, clube que mais defendeu em campo: 393 partidas, com 76 gols.

– Eu já tinha decidido parar depois de minha última lesão no fim do Campeonato Brasileiro. Acabei me recuperando e sendo convencido pelo Rodrigo e pelo presidente a tentar disputar o Carioca. Até pela possibilidade real de uma conquista antes de parar. Mas os treinos foram difíceis. Meu corpo não estava mais reagindo como antes. Eu não ia mais conseguir ser competitivo como sempre fui. Algumas vezes parecia que ia dar, que seria mais fácil, mas preferi tomar essa decisão. Honestamente? Não estava mais disposto a aceitar e passar pelo sacrifício de jogar em alto nível. Sempre falei que ia parar quando perdesse a vontade de treinar e me preparar para jogar. Não é fácil. Mas assumo que está sendo um pouco mais fácil do que eu imaginava. Hoje não dá mais para se divertir e brincar no futebol. Nunca me diverti jogando. Fiz sempre com amor, paixão e responsabilidade. Fui um péssimo perdedor, mas sempre tentei respeitar os adversários. Entendi cedo minhas deficiências, e isso me levou até aonde cheguei. Se o Roberto parou, o Romário, Zico, não teria como esse dia não chegar. Convivi sendo o vovô do time, eu sempre brincava porque no dia a dia era o mais velho, mas na escola para buscar meus filhos era o pai mais novo. Era engraçado – disse Juninho.

Ao lembrar sua carreira, o ídolo vascaíno se emocionou. Principalmente ao falar do início no Sport. Em um misto de saudade e decepção, Juninho chorou. Recordou seus primeiros anos no futebol e de um episódio na Ilha do Retiro em 2012. Após marcar um gol de falta com a camisa do Vasco pelo Campeonato Brasileiro, o camisa 8 mandou beijos em direção a seus familiares que estavam na arquibancada. A torcida do Leão não perdoou e xingou os parentes do jogador .

– Minha volta ao Vasco após a passagem pelo Catar não foi perfeita pela ausência de conquistas. Gostaria de agradecer também ao Sport… (começa a chorar). Me desculpem, mas a emoção é grande. Foi onde tudo começou. Joguei pouco tempo como profissional por lá. Eles nunca entenderam minha preferência pelo Vasco. Lamento por isso. Mas reconheço a importância do clube e sou grato pelo início da minha carreira. Mas foi no Vasco onde eu me realizei, onde eu me tornei um jogador completo, onde terminei minha formação. Meu melhor momento como jogador foi no Lyon. Lá joguei praticamente sempre em alto nível. Talvez a página que tenha faltado foi um título mundial. Faltou isso, mas não me incomoda. No Al Gharafa, eu me recuperei para voltar ao Vasco. Nos Estados Unidos, eu tive tecnicamente o pior momento da minha carreira. Não me arrependo pela experiência de vida. Esse foi o resumo da minha carreira. Agora começa uma nova fase. Não sei como, não sei onde, mas vou estar nos jogos acompanhando o Vasco – frisou o ídolo vascaíno.

Seu último jogo como profissional foi no dia 10 de novembro de 2013, contra o Santos, no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro. O jogador sofreu uma grave lesão muscular na coxa direita durante a partida e perdeu a reta final da competição, que acabou com o rebaixamento do Vasco. Depois de longa recuperação, Juninho vinha seguindo uma programação especial preparada pelo departamento médico do clube para tentar disputar o Carioca. Mas ainda reclamava de dores musculares pelo esforço. Em sua única entrevista em 2014, no dia 15 de janeiro, ele já admitia que estava difícil suportar o ritmo da pré-temporada.

Agora, com a carreira encerrada, o ex-jogador pretende tirar férias e, quando retornar, tem o desejo de seguir trabalhando com futebol.

– Eu não me vejo fora do futebol, não. Só não queria fazer essa transição muito rápida, queria aproveitar um pouco, curtir essas férias mais prolongadas. Ser treinador sempre passou pela minha cabeça, mas a tendência é que eu possa comentar futebol, já fui convidado para isso na Copa. A tendência é que eu continue no futebol, sem definição exata. É claro que sinto falta, mesmo não disposto mais a treinar, a gente começa a procurar uma coisa para suprir necessidade, já comecei a praticar outros esportes, a tendência é voltar ao futebol.

Confira abaixo a íntegra da entrevista:

Título que faltou

– A página que faltou, eu sonhava ser campeão do mundo. Mas isso não incomoda. Curti bastante também no Al-Gharafa. Depois seis meses nos Estados Unidos, agradeço por essa oportunidade de vida. Voltei e tudo que recebi aqui foi sempre especial. Agora começo nova vida, não sei como e nem aonde.

Arrependimento

– Se tivesse experiência em algumas situações da vida, seria mais fácil de conduzir algumas situações. Mas o que sempre pedi a Deus era fazer as melhores escolhas na minha vida. Essas escolhas a gente descobre depois se são certas ou erradas. Imaginei na carreira ter parado um pouco antes, ter jogado até os 39 foi um privilégio. Todo esforço feito foi recompensado.
– Pensar, eu pensei, mas a vida é assim. A gente não a controla. Se meu último jogo eu saí com lesão, não posso lamentar. Quando olho para trás, é para aprender. Não imaginava tantos títulos, ter marcado uma história aqui, no Lyon. Prefiro olhar o que foi conquistado. Poderia ter forçado uma situação, ter entrado ontem no fim, falar que ganhei do Botafogo e parei de jogar.

Postura fora de campo

– Pela orientação que recebi, acredito muito na educação, tive uma educação rígida em casa. Não fiz quase nada, não custa fazer isso, usar camisa de campanha que vai ajudar tanta gente. Nunca fiz nada de especial. Tão pequeno que não consegui pensar que estava fazendo alguma coisa que ajude. Quando tive tempo, participei de campanhas, mas como cidadão deveria ter feito mais.

A decisão

– Quando os treinos foram ficando mais fortes, quando se acelerou o ritmo, tinha dificuldade para treinar no outro dia. O Adilson (Batista, técnico) com toda necessidade de preparar a equipe, precisava de definição, mas sempre me deixou muito à vontade. Cheguei a fazer um coletivo de 60, 70 minutos, mas depois fiquei dois dias sem treinar. Quando vi isso, no começo da semana passada, conversei com a comissão técnico e avisei que tinha decidido parar de jogar.

Participação da família

– Conversava algumas vezes com eles, mas o que foi decisivo mesmo foi essa incapacidade de treinar. No domingo, não falei para ninguém, pensei que primeiro ia comunicar ao Vasco, foi assim que tomei a decisão. Porque sempre disse que o treinamento é fundamental, treinamento é jogo. Todo jogo é uma final, todo treino é jogo. Por isso que tomei a decisão de parar.

Momento mais marcante

– O gol contra o River Plate, que significou muito. Ter feito aquele gol que marcou a minha história, pelo qual recebei homenagens, isso me deixou nas páginas do Vasco.

Sem volta

– É difícil de explicar, mas talvez o fato de ter insistido até o fim, continuar treinando, foi me deixando mais na realidade. Se eu me arrepender no ano que vem, não tem mais tempo, com 40 anos. Eu prefiro pegar os exemplos dos grandes que pararam e deram seguimento à vida.

Legado

– Meu legado é que sempre entendi que futebol era uma coisa séria, era minha profissão, era o que sustentava minha família. Vivi para o futebol, tive sorte de que a minha família tenha entendido isso. Muitos jogadores têm carreira prejudicada por relacionamento familiar. Me dediquei de corpo e alma, joguei futebol 20 anos. Outro dia foi a primeira vez que fui em Angra, morei oito anos em Lyon e nunca fui na Torre Eiffel. Meu legado é que acredito no trabalho. Foi assim que eu cheguei aonde cheguei. Quando comecei, disseram que eu era muito lento, disseram que não iria me tornar profissional. Dizia para mim que era impossível com a qualidade que tinha isso não acontecer. Aliei o físico à técnica, à  marcação, me tornei mais completo. Pensei que poderia me tornar rápido, fiquei um pouco mais rápido, mas não tanto, pela minha genética. Trabalhando sério e levando com muita seriedade, a chance de se conseguir o que quer é muito grande.

Despedida com rebaixamento

– Claro que pensava em me despedir diferente, eu pensei em deixar o futebol fazendo gol e sendo campeão, mas a vida é assim. Se minha carreira era para ser vitoriosa, se no meu último jogo tinha que sair com lesão, não tenho como lamentar, prefiro olhar para frente. Não imaginava ter jogado mais de 900 jogos como profissional, ter marcado um clube como Vasco, ter feito história, mais que jogadores que jogaram muito mais do que eu, ter a passagem que tive no Lyon. A despedida com rebaixamento não é nada que me deixa preocupado. Pode ser que daqui a 10 anos eu fale que deveria ter feito diferente, mas hoje penso assim.

Bom Senso FC

– O Bom Senso ainda luta para se equilibrar cada vez mais. Espero que todos entendam o intuito desse grupo de atletas, alguns não jogam mais, como eu, não sei se o Gilberto Silva. O intuito é fazer com que o futebol brasileiro seja tão bom quanto a seleção brasileira, tão atraente para o futebol europeu, que a gente volte a encher os estádios. Ainda lutamos para nos firmar e vou seguir à disposição. Não é porque não jogo mais que vou mudar a maneira de pensar, acho que estamos muito atrasados. Nossos campeonatos precisam melhorar em todos os aspectos. Se fala só que os atletas ganham muito e então devem jogar sempre, mas não é bem assim. Os atletas têm que se preparar da melhor forma, ter melhoria em todas plataformas, lutar pelo Fair Play financeiro, que a gente não veja mais torcida invadir centro de treinamento, jogador sendo agredido, objetos furtados. Se a gente pudesse ir a Brasília e invadir da mesma forma, aceitaria essa troca. Jogador não é marginal. Fico um pouco mais afastado agora, mas como sou torcedor, gostaria de ver o futebol da melhor forma.

Relação com a imprensa

– Esse dia a dia passou a ser mais desgastante para os jogadores. Cansei de dar entrevista com a porta do carro aberta, o profissionalismo é bom para todo mundo. Hoje a informação chega muito rápida, jogador precisa ficar muito mais alerta, ter cuidado com informação, porque isso atrapalha muito a carreira, diria para não se expor tanto. Hoje, vocês leem pensamento praticamente. Isso mexe muito com alguns atletas, muitos não falam, porque não se sentem confortáveis, apesar de serem bem orientados para as assessorias, é um relacionamento importante, mas tem que ter muito cuidado.

Vida na França ou no Brasil?

– Eu gostaria de seguir no Brasil para me preparar mais para as funções que eu vir a exercer. Claro que minha ligação com o Lyon é muito forte e esse carinho deles me deixa feliz. Mas hoje já comecei a trabalhar de algum jeito na França, porque todas as quintas falo de futebol na rádio de lá. Mas a preferência no momento é ficar no Brasil.

Assumir uma equipe neste momento?

– Eu não posso dizer completamente que não, mas que é muito difícil, isso é. Como gosto de desafios, sei que pode acontecer, analisaria, mas não é minha preferência.

Copa do Mundo de 2006

– Era a seleção que achava que seria campeão pelo talento, mas não mereceu talvez. Única coisa que poderia falar é isso. Estava escrito, talvez, a geração que era campeã em 2002, teve dificuldade de repetir o sucesso de 2006. Não conseguimos juntos repetir o sucesso. Talvez tenhamos perdido a noção da força do trabalho. Eram grandes jogadores, foi um privilégio ter feito parte daquela seleção.

Volta para o Vasco

– Desde que saí do Brasil, recebi propostas para voltar. Todo o atleta que sai, tem o Brasil com as portas abertas se vai bem lá fora. Eu queria voltar ao Vasco. Antes eu não tinha condição pelo planejamento de vida. Depois recusei mais dois anos pelo Al-Gharafa e voltei ao Vasco. Eles apostaram em mim em 1995. Eu naquela época não vim de contrapeso do Leonardo, custamos o mesmo. Alguém criou isso. Eu poderia ter vindo em cima de um jumento que jogaria.

Ligação com o clube

– Desde que saí do Brasil recebi inúmeras propostas para voltar. Mas eu queria voltar para o Vasco. Houve oportunidade de voltar antes, mas não tinha condição de voltar pelo meu planejamento de vida, naquele momento não pude recusar a proposta do Catar. Meu pai era sócio do clube em 1958, tenho essa carteira de sócio do meu pai. Ele era da Marinha e vinha ver os jogos do Vasco aos domingo. Não nego que não imaginava que essa identificação se tornasse tão forte, mas foi com trabalho, dedicação, fazendo parte de uma geração vencedora.

Decepção com reação da torcida do Sport?

– Decepção foi o tratamento dado à minha família. Mas não guardo mágoa nenhuma, foi lá onde tudo começou. Foi uma coisa que não esperava que acontecesse (lembra do gol em 2012 na Ilha do Retiro e das ofensas dos torcedores aos seus familiares). Minha família estava com a camisa do Sport, eles apenas aplaudiram meu gol de falta, mandei beijo para eles. Fui levado para a Ilha do Retiro pelas minhas irmãs, aquilo foi um ponto decepcionante. Nunca vou esquecer de onde vim, não queria faltar com respeito com um clube, não foi nada disso.

Contrapeso?

– Aliás, é um momento para esclarecer uma história, essa de que eu vim como contrapeso do Leonardo. Não é verdade. Nós dois custamos US$ 1,5 milhão cada um, tínhamos o mesmo contrato. Algum dirigente criou essa historia, mas isso não me machuca, vim trabalhar e buscar meu espaço. Bom explicar isso, embora não faça diferença. Poderia chegar aqui em cima de um jumento que não mudaria minha vontade de vencer.

Jogo de despedida

– Já conversamos alguma coisa, nada definido, porque o time vem em recuperação, tem real condição de ganhar o estadual. Sabemos que tem período de parada entre a Copa do Mundo e o estadual, se der para encaixar alguma coisa, a gente vai fazer para os torcedores que gostam de mim virem me assistir. Mas o momento é de concentração deles para ganharem o estadual. Como adversários, seria bacana um River Plate ou o Lyon, mas vai depender da logística. Se aceitarem o convite, seria legal de fazer com todos ex-jogadores, mas sei que é mais fácil com elenco atual, um jogo de verdade, por isso que vou procurar manter minha forma.

Futuro

– Fui convidado para ser comentarista na Copa. Não está definido, mas é uma oportunidade de ver a Copa de perto. O Vasco tem real condição de ganhar o Estadual, depois vai ter a parada para a Copa. Se der para encaixar alguma coisa, a gente faz. Mas não há obrigação. A concentração aqui é total.

Carreira como executivo

– São 20 anos jogando, joguei copa do mundo, campeonatos europeus, conheci o mundo árabe, foram seis meses nos EUA, isso tudo me dá confiança muito grande, por ter escolas diferentes, por ter vivido o dia a dia com muita intensidade. Talvez me preparando seja capaz de fazer um grande trabalho como gestor. Já aprendi muito com Rodrigo Caetano no dia a dia, jogamos juntos pouco tempo, agora voltamos a trabalhar juntos, ele é hoje merecidamente um dos melhores senão o melhor dirigente do país. E ele diz para mim que se preparou muito. Isso que quero fazer também.

Agradecimento e arrependimento

– Sou grato a todos por essa energia, por terem me ajudado a superar as derrotas, porque tenho muita dificuldade nisso. Se me arrependesse de algumas coisas, talvez que fui tantas vezes campeão e comemorei quase nada. Deveria ter curtido mais meus momentos, única coisa que me arrependo. Quando ganhava um campeonato já ficava preocupado com o queria viria depois.

Fonte: G1

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