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Infidelidade – Amor em tempos de chifre

de SUPERINTERESSANTE

A cidade de Nova York entrou em rebuliço quando um outdoor apareceu em plena Times Square, em julho de 2008, com os seguintes dizeres: Life is short. Have an affair (Traduzindo: “A vida é curta. Tenha um caso”). A gritaria dos donos de prédios da região e da mídia americana foi tanta, que o cartaz acabou retirado 3 dias depois. Era um anúncio do site Ashley Madison, uma comunidade virtual canadense para pessoas casadas e interessadas em arrumar amantes. Na opinião dos queixosos, um estímulo à infidelidade não podia ficar exposto ali, pra todo mundo ver (ainda mais daquele jeito, ilustrado com uma foto nada decorosa de um casal em um quarto de hotel). Desde então, anúncios da Ashley Madison já foram recusados pela rede de TV americana NBC, pelo portal MSN e pela Liga de Futebol Americano (não fosse o veto, espectadores do Super Bowl veriam o slogan Who are you doing after the game?, algo como “Quem você vai pegar depois do jogo?”).

A revolta dos americanos não prejudicou em nada o boom que o Ashley Madison viveu nos últimos tempos. O site tem 3,5 milhões de usuários – 70% deles cadastrados nos últimos dois anos. Eles vasculham os perfis uns dos outros e paqueram por mensagens. E prepare-se, leitor, porque a empresa conta com o lançamento de uma versão do site para o Brasil ainda em 2009. (Por enquanto, cerca de 50 membros cadastrados no site canadense declaram morar aqui.) Esse sucesso é exemplo da nova era de infidelidade em que vivemos. A traição é hoje alimentada não só por nossos desejos mas também pela mudança recente no comportamento das mulheres, pelo avanço da tecnologia e por uma mãozinha da medicina. Goste ou não o pessoal da Times Square, os chifres estão mesmo na moda – e parece que para ficar.

Convenhamos, pular a cerca sempre foi um hábito da humanidade. Einstein era adepto da prática, e até contava sobre as “outras” para a família. O casal Sartre e Simone de Beauvoir vivia em harmonia com seus amores “contingentes”, nome que davam aos casinhos. Mas parece que o velho ditado “Se não é corno, já foi ou será” fica cada vez mais verdadeiro. Estudos mostram que estamos traindo mais. E não tem álibi que desminta isso.

Repare no comportamento dos brasileiros. Em 2008, 68% dos homens e 42% das mulheres confessaram já ter traído o parceiro de namoro ou casamento, segundo um estudo feito com 8 237 pessoas em 10 capitais do país pela psiquiatra Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina da USP. Em 2003, os infiéis eram 51% dos homens e 26% das mulheres. Isso não significa que deu a louca nos brasileiros. O mesmo aconteceu nos EUA. Lá, 21% dos homens e 11% das mulheres assumiam ter traído em 1991. Quinze anos depois, eram respectivamente 23% e 17%, segundo entrevistas feitas pela Universidade de Chicago e analisadas por David Atkins, professor de psiquiatria da Universidade de Washington. O que explica o aumento? “A vontade de trair sempre existiu”, diz a antropóloga Helen Fisher, professora da Universidade Rutgers, nos EUA, e autora de vários livros sobre amor, sexo e casamento. “As circunstâncias para isso é que estão mais propícias no mundo moderno.” Para entender que circunstâncias são essas, vamos começar pela trajetória de uma das principais protagonistas do surto da infidelidade: a mulher.

A morte da Amélia

As conquistas das mulheres nos últimos anos são de dar inveja a qualquer feminista queimadora de sutiãs. Elas consolidaram seu espaço no mercado de trabalho. Tornaram-se independentes de seus maridos. Diminuíram o número de filhos grudados na barra da saia. (A taxa média de natalidade por brasileira, de 3 filhos em 1991, já caiu para menos de 2). O pacote que resultou foi uma mulher mais autônoma e livre para tomar suas decisões – inclusive sobre com quem dormir a cada noite. É claro que elas também podiam trair quando ficavam com a barriga no fogão. Mas suas opções estavam restritas ao marido da vizinha, ao verdureiro ou aos frequentadores do clube. Já em uma empresa, há muito mais caças (e caçadores) no jogo. Esse novo status também deu à mulher mais poder de barganha. Na equação independência + dinheiro + opções de relacionamento que o emprego garantiu às mulheres, o resultado só poderia ser uma baita dor na cabeça nos homens. É por isso que comportamentos antes tolerados sem qualquer reclamação – do imperdível futebolzinho à safadeza aberta – podem hoje detonar a busca por outro companheiro. “O comportamento comum da mulher é trair só quando seu relacionamento está com problemas”, diz Carmita Abdo.

Essa alergia ao homem chato aparece principalmente nas gerações mais jovens. Quase metade das brasileiras de até 25 anos entrevistadas diz já ter traído. São mulheres recém-casadas ou que ainda namoram. No caso das namoradas, o que as fez ouvir o diabinho da tentação, segundo Carmita, foi a falta de resposta para a perguntinha que todo homem odeia ouvir: “Para onde vai nosso relacionamento?” No das casadas, o motivo geralmente é a decepção com o namorado que virou sapo depois do casório. Frustradas, todas acabaram nos braços de outro alguém.

Oi, quer tc?
A tecnologia é uma maravilha da modernidade, certo? Se você respondeu “sim”, talvez nunca tenha percebido o quanto ela ajuda a criar galhos na sua cabeça. Veja o caso do celular. Antes de ele aparecer, falar com a outra ou o outro dava um trabalhão. Um homem tinha de sussurrar no telefone do trabalho, esperar a esposa ir ao banheiro para ligar de casa ou gastar um saco de fichas no orelhão. A chegada do celular libertou os pombinhos clandestinos. Tem equilibrista de mulheres que anda até com vários aparelhos, um para cada amor.

E a internet, então? Comunidades virtuais como orkut são um ambiente propício para conhecer gente interessante (ou interessada em aprontar). Sem falar nas declaradamente mal-intencionadas, como o polêmico Ashley Madison e uma versão tupiniquim mais humilde, chamada Só Casados – inaugurado em janeiro, o site tem 173 membros. Como cereja do bolo, a web é o berço de empresas como a Alibi Network, que inventam mil e uma desculpas para você se encontrar com a filial sem indispor a matriz. Por tudo isso, a internet é ponto de partida para marinheiros de primeira viagem no jogo da traição. É acessível a qualquer hora, dispensa o gasto com um drink no primeiro encontro, e permite que você coloque um pezinho na água pra ver se gosta da coisa. Ah, e o mais bacana: você pode fingir que é mais jovem, mais magro, mais atraente. “Trair não é uma decisão fácil. A internet ajuda quem precisa tomar coragem”, diz Mirian Goldenberg, antropóloga estudiosa das relações extraconjugais há duas décadas.

A grande dúvida é: um flerte online é traição? Parece que muita gente diria que sim, a contar pela oferta de softwares que ajudam os ciumentos a descobrir tudo o que o companheiro faz na web – os programas copiam conversas de bate-papo, sites, senhas de e-mail. Crime consumado ou não, o que se sabe é que um comportamento online promíscuo pode, sim, contaminar a vida real. Em uma pesquisa realizada nos EUA, 30% dos entrevistados responderam que traíram fora da internet depois de manter encontros sexuais virtuais e consumir avidamente pornografia online. A quantidade de material adulto disponível, aliás, explodiu com a internet. E sabe-se que a pornografia tem, sim, relação com a infidelidade: nos EUA, quem assiste a vídeos pornográficos tem 2,2 mais chances de trair, estatisticamente, do que aqueles que não veem. “Essa relação parece ser mais forte principalmente entre os rapazes, maiores consumidores desse tipo de material”, diz o professor David Atkins, da Universidade de Washington, em um estudo sobre o assunto. Talvez esse efeito tenha dado um empurrãozinho aos índices de traição de homens americanos de até 25 anos. Entre 1991 e 2006, a porcentagem deles que assumiu já ter tido um caso subiu de 13% para 19%. É, a juventude está ficando mais assanhada. E o engraçado é que os velhinhos também.

Velhice transviada
Há 10 anos foi lançada no mercado a primeira droga contra a disfunção erétil. De lá pra cá, só o Viagra já foi usado por 35 milhões de homens no mundo, uma safra que ganhou uma segunda chance no amor. “Entre 20 e 30% dos que haviam perdido a atividade sexual conseguiram recuperá-la. Não só pelo efeito físico das drogas mas também pela confiança que elas geraram”, diz Renato Maia Guimarães, presidente da Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria. Alguns deles não evitaram um escorregão. Em 2003, 55% dos homens brasileiros acima de 61 anos admitiam ter tido um caso. Em 2008, foram 66%.

Essa potência para satisfazer duas (ou mais) mulheres não é só atribuída às pílulas. Hábitos mais conscientes de alimentação, a difusão da educação e melhores condições econômicas têm contribuído para o nosso bem-estar – desde 1997, a esperança de vida do homem brasileiro passou de 66,5 anos para 69. Tratamentos mais eficazes no controle de doenças como diabetes, que podem causar a impotência, também trouxeram sua contribuição. E vale lembrar que o mar está para peixe. Na terceira idade, há 1,3 mulher para cada homem. Isso significa um mercado de 2,4 milhões de brasileiras completamente livres e desimpedidas para amar.

Mas, se estamos numa carreira desabalada rumo a um mundo de chifrudos, existe um jeito de apertar o freio? Para responder isso, primeiro é preciso entender por quê, biologicamente, traímos.

Chifre: é da sua cabeça

Temos 3 circuitos no cérebro responsáveis por detonar hormônios que geram desejo, amor romântico e apego. Cada um deles é independente dos outros e funciona quando bem quer – e é por isso que uma mulher pode amar seu marido, ter uma atração fulminante por um colega de trabalho e se sentir tão próxima daquele ex-namorado, tudo ao mesmo tempo agora. “O amor volúvel é parte do plano da natureza”, escreve Helen Fisher em seu livro Por Que Amamos. Para a antropóloga, essa seria uma estratégia evolutiva para que tenhamos mais descendentes. Os homens estariam liberados para espalhar por aí os bilhões de espermatozóides que produzem por mês, e as mulheres poderiam conseguir proteção e comida extras para seus filhos com o apoio de um amante.

Ok, o cérebro nos liberou para chifrar. Mas ainda há muita discussão sobre como o corpo influencia nossa fidelidade. Um estudo feito em 2008 pelo Instituto Karolinska, em Estocolmo, indica que a variante de um gene, presente em 2 de cada 5 homens, os predisporia a ter relacionamentos turbulentos – o que poderia gerar a traição. Uma pesquisa recém-divulgada pela Universidade do Texas diz que mulheres com maior nível de estradiol – hormônio ligado à fertilidade – são mais autoconfiantes e se satisfazem menos com os parceiros. São análises que tentam desvendar um assunto ainda nebuloso.

Mas voltemos à questão do freio. A resposta pode ser simples: amor. Um estudo da Universidade McGill, em Montreal, mostrou que mulheres tendem inconscientemente a proteger seu relacionamento quando sentem que podem se interessar por outro. O teste era simples: 150 pessoas foram convidadas a pensar em alguém atraente. Logo depois, participaram de um jogo que consistia em preencher letras que faltavam em palavras, como THR_AT. Nesse caso, a maioria das mulheres escreveu THREAT, ou “ameaça” em inglês. Os homens escreveram THROAT, ou “garganta”. Durante a dinâmica, respostas como essas (LO_AL virou LOYAL, “fiel”, para elas e LOCAL, “local”, para eles) mostraram que pensar em pessoas atraentes dispara um sinal de alerta na mente das mulheres. Mas os homens também fazem bonito. Os que estão apaixonados são os que encaram por menos tempo fotos de belas mulheres, segundo uma pesquisa da Universidade da Flórida. Outro ponto positivo: a fidelidade ainda é tida como um valor importante. Ela foi apontada pelos brasileiros como o principal item para um casamento feliz, segundo o Instituto Datafolha. Pode ser uma esperança para os casais nesses tempos do chifre.


Traído pelo avanço das mulheres

O rapaz comemorou quando sua namorada conseguiu um bom emprego. Mas, de repente, ela passou a viajar a trabalho e fazer hora extra. Foi assim que ele veio parar aqui.

Traída pela tecnologia

Enquanto encerava o chão, cozinhava e lavava a roupa, seu marido navegava na internet e conhecia mulheres. Quando ela percebeu, ele já estava em outra.

Traída pela medicina

O marido dela andava sempre cabisbaixo. Até que experimentou uma pílula muito potente. Ele ganhou tanta energia que começou a passar horas e horas fora de casa. E ela ficou só.

Crime…
Quantos pulam a cerca no Brasil, por idade

26 a 40 anos –  Homens – 67% – Mulheres – 46%41 a 50 anos – Homens – 71% – Mulheres – 33%

51 a 60 anos – Homens – 71% – Mulheres – 29%

Fonte: Carmita Abdo. Entrevistados: 8237 pessoas em 10 cidades.

…E castigo
Onde enganar a patroa (ou o patrão) pode ser perigosoBrasil
Pasmem. Adultério por aqui era crime até 2005. Na verdade, a lei já havia caído em desuso lá pelos anos 60, mas previa expressamente: pena de detenção de 15 dias a 6 meses.

EUA
Traição significa multa e detenção em alguns estados, como Michigan. Lá, um juiz polemizou ao dizer, em 2006, que a interpretação da lei poderia dar até prisão perpétua aos infiéis.

Coreia do Sul
Quem trai pode ficar na cadeia por até dois anos. Em dezembro, Ok So-ri, uma atriz de novelas famosa no país, pegou 8 meses de detenção, mas ganhou liberdade condicional.

Paquistão
Desde 2000, os adúlteros não são mais criminosos. Mas grupos religiosos islâmicos ainda aplicam, clandestinamente, sua pena: apedrejamento até a morte.

Fonte: Luiz Flávio Gomes, professor de direito penal; Consulado dos EUA; Embaixada da Coreia do Sul; Consulado do Paquistão.

Liberou geral
Os mais jovens e os mais velhos estão perdendo os pudores no Brasil

 Quantos traíam (2003)


Até 25 anos

2,5 em cada 10 mulheres
4,5 em cada 10 homensAcima de 61 anos
2 em cada 10 mulheres
5,5 em cada 10 homens

Quantos traem (2008)

Até 25 anos
4,9 em cada 10 mulheres
6,5 em cada 10 homens

Acima de 61 anos
2,1 em cada 10 mulheres
6,6 em cada 10 homens

Fonte: Carmita Abdo.

Entrevistados em 2003: 7 103 pessoas em 18 cidades.

Entrevistados em 2008: 8237 pessoas em 10 cidades.

Para saber mais

Por Que Amamos
Helen Fisher, Editora Record, 2006.

Infiel: Notas de uma Antropóloga

Mirian Goldenberg, Editora Record, 2006.

Lust in Translation
Pamela Druckerman, Penguin Press, 2007.

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