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Estudantes transexuais conquistam espaço no ensino superior e brigam pelo uso do nome social em SC

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Se a função da universidade pública é promover o desenvolvimento em todas as esferas da sociedade, um grupo específico começa a deixar as margens do ensino superior no Brasil. Mesmo sem dados precisos, estimativas mostram que são pouquíssimos os transexuais e as travestis que chegam à faculdade. Na tentativa de provocar mudanças nesse cenário, instituições de Santa Catarina têm investido em políticas que incentivam a permanência do grupo na graduação. 


Sequer mencionados em levantamentos sobre acesso à universidade no Brasil, travestis e transexuais são historicamente excluídos do ensino superior. Pesquisa da Articulação Nacional de Travestis (Antra) mostra que apenas 10% da população trans chegou ao emprego formal, enquanto a grande maioria ainda enfrenta obstáculos para deixar os subempregos ou voltar à sala de aula. Em um esforço para quebrar este ciclo vicioso, universidades de Santa Catarina, a exemplo do que ocorre no país, têm se voltado às demandas dos movimentos sociais e repensado a forma de tratar esse público. 

— Quando você coloca pessoas diferentes em um mesmo ambiente, o preconceito diminui. Colegas que olhavam para mim e tinham uma imagem estereotipada mudaram de ideia quando me conheceram — conta Fabrizia de Souza Felipe, estudante de Letras-Alemão na UFSC. 

Estudantes que se tornaram exceções à regra e entidades ligadas aos direitos das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros (LGBTTT) colocam a intolerância e a falta de recursos como as principais causas da distância entre os transexuais e as universidades. 

O nome no diploma

Hoje, universitários transexuais já consideram um grande avanço serem reconhecidos, ao menos no ambiente acadêmico, pelo nome social – aquele usado por pessoas que não se identificam ou se constrangem com o nome de registro. Embora não signifique uma alteração oficial na documentação, o nome social representa a forma que o indivíduo se enxerga no mundo. 

As legislações internas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – as duas maiores faculdades públicas do Estado –, além do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e do Instituto Federal Catarinense (IFC), já determinam que todos os documentos internos utilizem unicamente o nome escolhido por estes estudantes (veja a relação completa no fim da reportagem).

 
Estudante de Educação Física, Theo Luna leva consigo a carteirinha da Udesc com o nome social. “Nem imprimo mais os documentos que só trazem registro civil”, conta. Foto: Cristiano Estrela/Agência RBS.

Nestas instituições, listas de chamada e vestibulares não exibem o registro civil dos estudantes transexuais. Alguns documentos emitidos com o nome social trazem também o nome de registro civil em detalhe, para evitar complicações legais. 

Até 2011, a reitoria da UFSC não tinha registros de transexuais na instituição. No fim do ano passado, porém, a universidade já contava seis estudantes que utilizavam o nome social no ambiente acadêmico. O levantamento não expõe o cenário com precisão porque nem todos que ingressam na faculdade requisitam o uso do nome social nos documentos. 

— São pessoas que deixam de se sentir excluídas de antemão. Mesmo trabalhando há anos com a questão, fiquei surpresa com o número de pessoas que procuraram a universidade depois destas mudanças — explica Miriam Pillar Grossi, professora de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (Nigs). 

As deliberações internas, entretanto, esbarram no preconceito. A estudante da UFSC Sophia Caroline, de Letras-Espanhol, relata diversas situações em que funcionários e professores da universidade a colocaram em situações constrangedoras. 

— Quando pedi a modificação do meu nome no setor de tecnologia da universidade, me trataram pelo nome masculino e ficaram rindo entre eles. Um rapaz pegou o telefone e disse que “um aluno” estava ali pedindo alteração no nome, nem sabia do que se tratava direito. Reclamei, e depois o supervisor do departamento me telefonou para pedir desculpas — disse Sophia. 

Adaptação nas universidades esbarra em legislação federal 

— O medo de ver a intimidade repetidamente exposta afugenta transexuais da sala de aula. Há inúmeros casos de estudantes que largaram os estudos porque não aguentavam mais passar por constrangimento ou porque eram ofendidas e caçoadas — avalia Crishna Correa, professora no curso de Direito da Universidade do Estado de Maringá (UEM) e doutoranda na UFSC. 

A tese de Crishna, ainda em fase de coleta de dados, pode se tornar a primeira pesquisa sobre uso do nome social no ensino superior no Sul do Brasil. 

 
Para a estudante Fabrizia Felipe, medo de ver a intimidade escancarada afasta transexuais das salas de aula. Foto: Jessé Giotti/Agência RBS.

Projetos de lei que ainda tramitam em níveis federais demoraram tanto para serem encaminhados que já são considerados ultrapassados por alguns ativistas. Sem uma posição do governo federal sobre nome social, cabe às instâncias estaduais, municipais e às próprias universidades determinarem como tratar a problemática.

Estudante de Educação Física na Udesc, Theo Frederico Luna exibe orgulhoso a carteirinha da universidade com o nome social. Ele diz que a mudança o poupa de vários constrangimentos em situações cotidianas e banais, como por exemplo pagar meia entrada no cinema sem precisar se explicar ao caixa. Alguns certificados de cursos e oficinas realizados na faculdade ainda saem com o registro civil, outros não. 

— Nem imprimo mais os que trazem só o nome de registro — diz. 

Hoje, 12 secretarias estaduais de educação – inclusive a de SC – possuem resoluções próprias para o nome social no sistema de ensino. 

— Nossa cultura tem um ranço machista muito grande, a legislação demora muito para sair do papel — comenta Fabrizia de Souza Felipe.

Diretor de Assuntos Estudantis da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) da UFSC, Sergio Schlatter acredita que o ensino superior ainda enfrentará dois obstáculos até se adaptar como o desejado: dificuldades técnicas e legislação vaga

— O sistema da UFSC baseia-se no CPF da estudante, o que dificulta intervenções em casos específicos. A universidade emite todos os documentos internos com o nome social, mas trata-se de uma realidade muito maior. Um atestado de matrícula, por exemplo, pode ser usado dentro ou fora da instituição. Só vamos conseguir fazer a integração dessas pessoas de fato quando houver melhorias na lei federal — explica o diretor. 

2014 promete ser um ano diferente no Enem

No ano passado, diversos transexuais que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) enfrentaram constrangimentos para comprovar a identificação aos fiscais de prova. Sem o nome que usam diariamente escrito na carteira de identidade, candidatos passaram por processos similares aos que se tivessem apresentado documentos rasurados. 

Este ano, a situação promete ser diferente. O Enem, que será realizado em novembro, aceitou pela primeira vez a inscrição de candidatos com o uso do nome social, ao invés do nome de registro. Para isso, os estudantes precisaram se inscrever e depois ligar para um 0800 indicado pelo Ministério da Educação (MEC), onde passaram por um atendimento personalizado e forneceram informações para ajudar na identificação. 

Até o último registro feito pelo governo, ao fim das inscrições, 68 pessoas haviam solicitado o cadastro do nome social. A identificação vale para a lista de presença, cartão de inscrição, prova e lista de resultados. 

:: Como funciona no ensino em SC

UFSC

A federal determina desde 2012 que os documentos internos tratem estudantes unicamente pelo nome social. A medida passou a valer após a aprovação da Resolução Normativa no 18 do Conselho Universitário (Cun), que garante a inclusão do nome social no vestibular, na matrícula, nas listas de chamada e em qualquer outro documento interno. No diploma e nos históricos escolares, apenas o nome civil é detalhado. 

Udesc 

A estadual adota o nome social em registros internos desde março deste ano, por decisão do Conselho Universitário (Consuni). O requerimento pode ser feito a qualquer momento, desde que o estudante seja maior de idade. O nome social deverá constar em todos os documentos e sistemas internos da Udesc. O estudante pode pedir inclusão do nome social também nos certificados, mas o diploma sai só com o civil. 

IFSC e IFC

O Instituto Federal de SC aprovou em 2010 a regulamentação do uso do nome social nos registros internos. No histórico, declarações, certificados e diplomas, consta apenas o nome civil. Na colação de grau, a estudante é chamada pelo nome social, mas na ata consta apenas o civil. 

No Instituto Federal Catarinense (IFC), o regulamento aprovado em 2010 segue as mesmas determinações que o do IFSC, mas inclui ainda os servidores. Nos crachás, lista de ramais e endereços de e-mail consta apenas o nome social. 

:: Glossário 

Transexual e travesti 

É a pessoa que não se identifica com o gênero atribuído a ela no nascimento. Embora a diferença entre transexuais e travestis não seja tão clara, entende-se como transexual alguém que se coloca claramente como parte do gênero oposto, enquanto travestis não chegam a abandonar definitivamente nenhuma das identidades. 

Transhomem e transmulher

O transhomem é a pessoa a quem foi atribuído o gênero feminino no nascimento, mas que se identifica com o masculino. A transmulher se identifica com o feminino, embora tenha sido atribuído o gênero masculino a ela quando nasceu. 

Transgênero

Pode ser tanto o indivíduo que não se identifica com o gênero atribuído a ele no nascimento (sinônimo de transexual) quanto a pessoa que está em constante trânsito entre os gêneros masculino e feminino, ou que nega ambos.

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