“Eu era uma adolescente de 17 anos quando conheci o Nozumu, que tinha 26. Ele era alto, magro e tinha um sorriso bonito. Frequentava a mesma igreja que minha família, em São Paulo, onde vivíamos. Nos demos bem logo de cara e em pouco tempo ficamos amigos. Tínhamos uma identificação bem forte e conversávamos sobre tudo, dos anseios da vida ao futuro que imaginávamos dali pra frente. Não nos vía-mos fora da igreja, porque naquela época as coisas eram diferentes, o mundo era mais careta, mas nos encontrávamos todos os domingos lá.
Como ele era mais velho, estava querendo encontrar uma mulher, formar uma família. Sabia que ele me amava pela maneira como me tratava – nunca chegou a se declarar. Eu também gostava muito dele, mas era nova e não passava pela minha cabeça assumir um compromisso sério. Não queria saber de namoro com ninguém, era só uma adolescente e, como éramos amigos, ele sabia disso.
Seus pais, que também me conheciam da igreja, viviam me chamando para ir à casa deles. Queriam que eu me casasse com Nozumu. Só que, na época, o achava muito velho para ser meu marido. E, pior: por ser muito menina, não tinha me dado conta de que estava superapaixonada por ele.
Um dia, quando voltava de uma viagem para o interior com minha família, fui pega de surpresa com a notícia de que Nozumu tinha começado a namorar uma amiga, também da igreja. Fiquei chateada, não imaginava que ele engataria um relacionamento com outra mulher naquele momento. Foi um choque. Só então entendi que o amava”. Para piorar, a moça tinha muito ciúme de mim e passou a me tratar mal. Logo ela o proibiu de me ver e acabamos nos afastando. Sofri muito com a separação. Em pouco tempo, eles se casaram, mudaram para outro bairro e perdemos o contato.
Depois que ele foi embora, terminei a escola, comecei a trabalhar e, aos 22 anos, conheci meu futuro marido, Hidetoshi. Ele era amigo de infância do noivo de uma das minhas irmãs. Foi um encontro combinado. Eles me chamaram para um piquenique em um parque para apresentá-lo. Nos demos bem desde o começo. Hidetoshi era doce, cavalheiro, o tipo de homem que sempre imaginei ter como marido.
Namoramos por dois anos até que nos casamos. Com ele, realizei o sonho de formar uma família. Tivemos três filhos: Daniel, hoje com 46, Regina, 43, e André, 39. Moramos em São Paulo bastante tempo e, quando meu caçula fez 4 anos, mudamos para Sorocaba. Hidetoshi foi promovido e convidado a ser chefe de uma fábrica na empresa em que trabalhava.
PRIMEIRO ENCONTRO EM 39 ANOS
Durante todos esses anos, não tive mais contato com Nozumu. De vez em quando, pensava nele, torcia para que sua vida tivesse tomado um caminho feliz. Em 2000, a surpresa: nos reencontramos. Foi a primeira vez em 39 anos! Aconteceu na festa de inauguração da igreja que sempre frequentamos, aqui em Sorocaba. Eu era a anfitriã, ajudei a fundar essa sede. Ele veio sozinho, sem a mulher.
Quando me viu, me reconheceu no ato e logo falou: ‘Ei, Maria San, já não lembra mais de mim?’. E eu: ‘Quem é você?’. Como não fazia ideia de que ele viria, não o reconheci. Para mim, era só mais um japonês como tantos outros que vieram de outras cidades nos prestigiar. Ele ficou triste. Hoje diz que é porque nunca me esqueceu. Minha vida era muito corrida, com filhos, depois os netos, a igreja. Tenho a impressão de que ele era mais nostálgico.
Hoje me diz que queria ter tido uma família grande, mas sua mulher nunca conseguiu engravidar.
Depois desse reencontro rápido, nos vimos mais duas vezes, em eventos da igreja. Eu sempre ia a essas festas com meu marido, então nunca conversava com Nozumu, porque pegaria mal para mim, poderiam falar alguma coisa.
A última vez foi em 2011. Ele tinha ficado viúvo e percebi que queria conversar, se sentia sozinho, parecia triste. A mulher dele morreu de repente. Acordou sentindo dor de cabeça e, no fim do dia, morreu. Segundo Nozumu, foi um derrame. Mas eu não podia dar atenção para ele naquele momento.
No ano seguinte, meu marido faleceu. Ele estava com muitas dores nas costas, nas pernas. Tinha dificuldade para andar, mas ninguém descobria o que era. Mandavam fazer massagem, alongamento, falavam que era a idade, ‘coisa de velho, né?’. Ele tinha 72 anos. Até que um médico pediu um exame específico e descobriu que era um tumor na coluna.
Três meses depois, teve de fazer uma operação para retirá-lo. Hidetoshi não aguentou e morreu na mesa de operação. Foi muito triste. Tudo aconteceu rápido demais, ninguém estava esperando por aquilo. Fomos casados por 45 anos e tivemos uma vida boa juntos. Ele era o marido que tinha sonhado quando menina.
Passado mais ou menos um ano e meio da morte de Hidetoshi, em setembro do ano passado fiquei sabendo que o irmão mais velho de Nozumu tinha falecido. Era seu irmão mais próximo e imaginei que devia estar sentido. Fiquei com vontade de ligar, mas não tinha o telefone. Foi difícil, não tinha mais contato, não sabia onde ele morava, nem se tinha se casado de novo. Acabei conseguindo com alguém da igreja e liguei.
De fato, ele estava muito triste. Fiquei com pena e disse que, quando quisesse conversar, poderia me ligar – a qualquer hora. Ele se assustou e perguntou se o meu marido não ficaria bravo. Contei que estava viúva. Ele disse, então, que iria me visitar.
PEDIDO DE CASAMENTO
Na semana seguinte, Nozumu chegou à rodoviária de Sorocaba. Fui buscá-lo com a minha nora. Ela ficou no carro e fui para a sala de espera, onde havíamos combinado de nos encontrar. Mas tinha muita gente e eu não consegui achá-lo. Só que ele já tinha me visto e não falou nada! Ficou olhando para um livro, quietinho, só me observando de longe. Quando eu já tinha desistido e ia dar a volta para procurar em outro lugar, ele levantou e disse: ‘Ei, Maria San, não está me reconhecendo de novo?’. Nos olhamos e demos muita risada.
Ele estava diferente. Mais careca, mais barrigudo. Das últimas vezes em que nos encontramos, eu não tinha reparado muito. Mas, na rodoviária, quando ele sorriu, o reconheci bem. Minha nora nos deixou em um restaurante. Depois de comer, sentamos na sombra do gramado de uma praça e conversamos por horas. Lembramos da nossa juventude, ele me contou da vida dele nos últimos 52 anos. Eu fiz o mesmo.
Nozumu continuava aquela pessoa calma, paciente e brincalhona de quem eu me lembrava. Ele me fazia dar risada o tempo todo. De repente, me olhou e disse: ‘Você casa comigo?’. Levei um susto! ‘Como ele diz isso assim, no primeiro encontro?’, pensei. Nem cogitava outro casamento. Não àquela altura da vida. Falei que ele estava sendo muito apressado, que não podia ser assim, que poderíamos ser amigos. Ele me pediu para refletir e foi embora para São Paulo no fim da tarde.
“Nozumu continuava aquela pessoa calma, paciente e brincalhona de quem eu me lembrava. Ele me fazia dar risada o tempo todo. De repente, me olhou e disse: ‘Você casa comigo?’”
Quando chegou em casa, me ligou para dizer que tinha feito boa viagem e que estava tudo bem. E me pediu de novo em casamento! Eu disse que não era possível. Não tinha passado nem um dia e ele já estava pedindo de novo. Respondi que ainda tinha que pensar. No final de semana, ligou de novo e repetiu a pergunta pela terceira vez.
Nesse momento, já estava até considerando, pensando mais seriamente no assunto. A gente se conhecia havia tanto tempo e eu tinha gostado tanto dele um dia… Tá certo que tinham se passado mais de 50 anos e as pessoas mudam, mas o reencontro me mostrou que sua essência continuava a mesma. Então, num ímpeto, respondi: ‘Sim, eu caso com você!’.
Meus filhos ficaram muito assustados com a notícia. Ninguém o conhecia. Não tinham sequer ouvido falar de Nozumu. A gente queria casar logo, mas meus filhos me diziam para esperar, que eu mais parecia uma adolescente apressada. Acontece que a gente já não tem mais tanto tempo assim, né? Então por que esperar?
‘QUERO CASAR PORQUE O AMO’
Eles só se convenceram quando o André, meu caçula, me ligou e perguntou: ‘Mãe, você está infeliz, está se sentindo sozinha? Os filhos não estão cuidando bem de você?’, quis saber. Fui categórica na resposta: ‘Quero casar porque amo o Nozumu’. Então todo mundo aceitou. Só que meus filhos fizeram uma exigência: que eu esperasse pelo menos seis meses. Disseram que a gente tinha que se conhecer melhor. Hoje, acho que eles é que queriam conhecê-lo. Eu já o conhecia. Havia 52 anos.
Nosso casamento foi uma festa muito bonita, na sede de nossa igreja, para 300 convidados. Chamamos um pastor que conheceu meus pais e os de Nozumu para celebrar a união. Ele ficou muito honrado quando soube da nossa história. Meus filhos, que são a coisa mais importante para mim, foram os padrinhos. Comprei um vestido novo, verde, com enfeites de pedras, muito bonito.
“O casamento na maturidade é bem diferente do da juventude. Só o que temos que fazer é aproveitar a vida”
Não tivemos lua de mel ainda porque eu estava muito cansada com toda a preparação da cerimônia. Não é fácil. A noiva tem que pensar em tudo, cuidar de cada detalhe. Então fomos só descansar nas termas de Águas de São Pedro, no interior de São Paulo. Agora estamos planejando uma viagem para o Nordeste. Queremos ir para uma praia bem bonita. O casamento na maturidade é bem diferente do da juventude. Não temos preocupação com filhos, escola, dinheiro. Nozumu é aposentado e eu recebo pensão. Meus filhos estão todos criados e bem encaminhados. Só o que temos que fazer é aproveitar a vida.
A gente conversa muito, passeia. Nozumu me faz dar risada o dia todo, está sempre fazendo gracinha, é muito bom. Ele é calmo, tranquilo. A gente não briga e ele me ajuda muito em casa. Se ele não está por perto, vou logo procurá-lo, porque sinto saudades. Todo dia descubro uma nova qualidade dele. E isso me deixa muito feliz.”
DE MARIE CLAIRE