O papa Francisco assinou nesta quinta-feira, no Vaticano, a canonização do padre José de Anchieta (1534 – 1597) e o tornou oficialmente o terceiro santo brasileiro. São José de Anchieta agora se junta a Madre Paulina, canonizada em 2002 pelo Papa João Paulo II, e a Frei Galvão, que se tornou em 2007, no papado de Bento XVI, o Santo Antônio de Sant’Ana Galvão. Nascido nas Ilhas Canárias em 1534, Anchieta veio para o Brasil aos 19 anos e aqui fez toda sua obra como evangelizador. A canonização de Anchieta foi oficializada por decreto, dispensando a exigência de comprovação de um milagre. A iniciativa de fazer desse modo partiu do próprio papa Francisco, que fez toda sua carreira na Igreja Católica na ordem jesuíta, a mesma de Anchieta.
O processo de canonização normalmente é confirmado por dois milagres. Um é destinado à beatificação, quando o candidato passa a ser cultuado no país onde nasceu e morreu. O segundo, que deve ocorrer depois da beatificação, é contabilizado para a canonização – a santidade, portanto. A partir desse momento, o culto é permitido por completo. Anchieta tornou-se santo sem nenhum milagre comprovado, embora se diga dele que tenha acalmado feras e feito recuar tempestades. O privilégio é para poucos. Tal situação é chamada de canonização equipolente, quando um homem ou uma mulher se torna santo pelo “conjunto da obra”. Ou seja, o candidato tem de ter a fama de milagreiro e ser alvo de grande devoção.
No domingo, às 11 horas, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, celebrará missa em homenagem a São José de Anchieta, na Catedral da Sé. Antes da cerimônia, haverá, às 10 horas, uma concentração no Pátio do Colégio, de onde os devotos sairão em procissão, acompanhando uma relíquia – um pedaço do fêmur do novo santo. O Pátio do Colégio, antigo Colégio de Piratininga, foi criado por Anchieta e pelo padre Manoel da Nóbrega em 25 de janeiro de 1554, data que marca a fundação da cidade de São Paulo. Tanto na Sé como no Pátio do Colégio, será descerrado um painel de sete metros com estampa de Anchieta.
Em comunicado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também confirmou que no dia 4 de maio, durante a 52ª Assembleia Geral da entidade, que acontecerá em Aparecida (SP), será celebrada missa em ação de graças pela canonização do beato.
Missa em Roma – No dia 24 de março, o papa celebrará missa em homenagem a São José de Anchieta na Igreja de Santo Inácio, em Roma. O organizador da cerimônia, o padre jesuíta César Augusto dos Santos, um dos defensores da canonização, informou que estão sendo convidadas 1.000 pessoas. Um convite será encaminhado também ao governo brasileiro, por meio da Embaixada do Brasil na Santa Sé. Padre Geraldo Lacerdine, porta-voz da Companhia de Jesus em São Paulo, informou que os jesuítas estão programando uma grande celebração de ação de graças para 9 de junho, festa litúrgica de São José de Anchieta. Ele foi beatificado em 1980 e é lembrado nessa data, por ser o dia de sua morte.
Outros santos – O papa também canonizou outras duas pessoas ligadas à evangelização nas Américas: o bispo de Québec, Dom Francisco de Laval (1623-1708) e a Irmã Maria da Encarnação (1599-1672), fundadora de um mosteiro das Ursulinas na cidade de Québec, ambos de origem francesa e mortos no atual Canadá. O sumo pontífice autorizou também a publicação de cinco outros decretos, que dizem respeito ao reconhecimento de milagres de um Bispo italiano, de um Padre indiano, de dois religiosos italianos e de uma religiosa indiana, vividos nos séculos XIX e XX.
Finalmente, o papa assinou também oito decretos reconhecendo as virtudes heroicas de outros ‘Servos de Deus’, religiosos e religiosas provenientes da Espanha, Itália, França e Brasil – a Irmã Dulce Rodrigues dos Santos, fundadora da Ordem das Missionárias de Maria Imaculada, falecida em 1972.
Anchieta e os jesuítas – Personagem seminal na construção do catolicismo no país, ele chegou a Salvador na comitiva do segundo governador-geral, Duarte da Costa, com 19 anos, e aqui morreu aos 63 anos, no Espírito Santo, reconhecido como “o apóstolo do Brasil”. Ao longo dos 43 anos em que viveu no país, ele participou da fundação de escolas, cidades e igrejas. Anchieta foi quem liderou a catequese dos índios tupiniquins e tamoios que se espalhavam do litoral sul do Estado de São Paulo ao Ceará. Foi autor da primeira gramática brasileira, a Arte da Gramática da Língua Mais Usada na Costa do Brasil. Escrita em seis meses, a cartilha descreveu e sistematizou no papel uma “língua nova”, o tupi. Anchieta será santo exatos 417 anos depois de sua morte. Inúmeras razões dificultaram o processo de canonização de Anchieta. Ao longo da história, os jesuítas foram expulsos de Portugal e suas colônias, as leis da canonização mudaram, a Companhia de Jesus foi restaurada, os recursos financeiros acabaram e, por fim, não se comprovou nenhum milagre de Anchieta.
A etapa final do processo de canonização foi pautada, em especial, pela atuação nos bastidores da Igreja do cardeal dom Raymundo Damasceno, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. A escolha de Anchieta é um aceno à Companhia de Jesus, criada em 1534 por sete homens, três deles já canonizados – os espanhóis Inácio de Loyola, ex-militar e fundador da ordem, e Francisco Xavier e o francês Pierre Favre. Com forte espírito missionário, os jesuítas logo se transformaram na tropa de choque contra a Reforma Protestante de Martinho Lutero e João Calvino. Com o objetivo de catequizar as almas “pagãs”, os jesuítas se espalharam para o chamado Novo Mundo, incluindo a Índia, a China e as Américas Central e do Sul. Mas foi no Brasil que os integrantes da ordem inaciana encontraram o celeiro ideal para a propagação da fé. Teólogos brilhantes (para Santo Inácio de Loyola, a fé católica deve ser defendida por meio de uma formação por excelência), os jesuítas souberam usar magistralmente com os índios uma das mais poderosas ferramentas no catecismo – a adaptação à cultura dos povos que pretendiam evangelizar.
FONTE: VEJA – http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/