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Aprendendo com as formigas

de Superinteressante

Olhando do alto, parece uma coisinha inofensiva. Nada de garras assustadoras, chifres ou mandíbulas enormes que outras espécies ostentam. É pequena demais (3 mm) e tem uma picada que causa, no máximo, reação alérgica. Mesmo assim, a formiga argentina é uma das pragas urbanas mais graves do planeta. Para entender, pare de olhar do alto.

No século 19, algumas formigas da margem argentina do rio Paraná pegaram carona em navios e desembarcaram em outros portos mundo afora. Bastou para o estrago estar feito. A formiga argentina não é uma boa vizinha. Pelo contrário, é competitiva e predadora em níveis méssicos (de Messi, o Lionel). Chegam, invadem casas, estressam famílias e disputam território com insetos maiores e mais sinistros. Resultado: elas estão em áreas costeiras de todo o mundo.

Em 2000, pesquisadores encontraram uma supercolônia gigante que ocupa todo o sul da Europa, estendendo-se por 6 mil quilômetros, de Portugal à Grécia (o litoral da Argentina, só para lembrar, tem 4,7 mil quilômetros). São milhões de ninhos diferentes e bilhões de operárias. “Conheço pelo menos cinco supercolônias, mas provavelmente há outras”, diz Alex Wild, biólogo especializado nas argentinas. O sucesso desses países subterrâneos é a parceria. Enquanto formigueiros comuns travam disputas entre si, os da supercolônia não competem uns com os outros. É a maior unidade cooperativa do mundo. As supercolônias existem também nos Estados Unidos, no Japão e na Austrália.

Por isso, é difícil encontrar uma formiga urbana que não seja a argentina, cientificamente conhecida como Limepithema humile, em lugares tão distantes como Chile, Portugal e Califórnia. Lá, aliás, as argentinas dizimaram os lagartos-de-chifres, cuja população caiu pela metade depois que as invasoras fizeram sumir do mapa outras formigas que eles comiam. Essas formigas não passam batido. E são versáteis. “Como conseguem criar formigueiros rapidamente em diversos ambientes, as argentinas se estabelecem facilmente em novos lugares”, diz Wild. E, para piorar, são resistentes aos inseticidas comuns, o que faz delas formigas quase invencíveis. Quase.
Foi em um parque na Carolina do Norte que as argentinas mostraram sua fraqueza. Segundo um estudo da universidade estadual local, a argentina ocupava, em 2008, 99% do parque, enquanto uma espécie chinesa estava em 9%. Três anos depois, as argentinas caíram para 67%. As chinesas começaram a reagir porque resistem mais ao frio. No inverno, ambas entram em um estado parecido com a hibernação. Mas a asiática volta à ativa antes, e é mais fácil conquistar território enquanto o inimigo dorme. As implacáveis argentinas podem ter encontrado seu General Inverno e uma possível derrota. Mas as formigas como um todo estão longe de perder no jogo da evolução.

Todas por todas
A colônia é um organismo só. E as saúvas exemplificam isso

Eficiência de formiga
Já dizia Macunaíma: “pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. Numa coisa, o herói de Mário de Andrade estava certo: as 200 espécies do gênero Atta são o maior grupo de formigas do Brasil. E o mais complexo do mundo, com câmaras, galerias e túneis.

Câmara real

O formigueiro começa com uma rainha criada em outra colônia. Ela acasalou e procura um novo lar. Quando encontra o local, bota ovos. Depois, comanda a colônia. Se falta alimento, solta um feromônio para orientar as operárias responsáveis pela comida, por exemplo.

Quarto de despejo
As operárias se desenvolvem e põem ordem na casa. Cada formiga tem um papel, o que é a essência da eussocialidade (quando um grupo de insetos forma, na prática, um organismo só). As operárias cavam túneis e buracos, que serão as câmaras do formigueiro. Algumas são para guardar restos de folhas, cadáveres de outras formigas e até lixo.

Relação casual
A rainha cria tanajuras, novas rainhas em potencial, e bitus, os machos. Ambos saem em revoada em busca de parceiros. Depois da missão cumprida, o bitu morre. E menos de 1% das tanajuras consegue seu próprio ninho.

Bebês a bordo
Até 20 dias depois de saírem dos ovos, as larvas se transformam em pupas. Elas são bem parecidas com as formigas adultas, mas não andam nem comem. Este estágio pode ter várias fases e dura até dez semanas. As pupas de cada fase podem ser transportadas para câmaras específicas para se desenvolver.

Lanchonete

As saúvas cortam folhas, mas são incapazes de comê-las a seco, então cultivam jardins de fungos no formigueiro (é por isso que elas carregam as folhas, e não comem na nossa frente). Os fungos digerem a celulose e eliminam outras substâncias das folhas que fazem mal às formigas. Depois, são esses fungos que servem de comida para as saúvas. Ou seja, elas são grandes agricultoras.

São mais de 14 mil espécies de formigas

– Estima-se que haja outras 15 mil ainda não catalogadas.
– 1/5 de toda a biomassa animal da Terra é composto por elas
– Existem 10 quatrilhões de formigas por aí. Mais de 1,5 milhão para cada ser humano

Veja uma galeria com 7 tipos exóticos de formigas.

Quem é quem no formigueiro


OPERÁRIAS CORTADEIRAS (2 MM)

Responsáveis pela coleta de matéria-prima para o almoço. Formam aquelas filas enormes de formigas carregando pedacinhos de folhas.OPERÁRIAS SOLDADOS (3 MM)
Estão sempre a postos nas saídas do formigueiro. Se for preciso, defendem a colônia de outros insetos e formigas rivais.RAINHA (5 MM)
Passa até 20 anos botando ovos e controlando todo o formigueiro. Quando morre, o formigueiro se dissolve.

OPERÁRIA GENERALISTA (1,5 MM)

O serviço doméstico fica por conta delas. Além de cuidar dos ovos e das pupas, elas limpam os ninhos.

LARVAS E PUPAS (ATÉ 1 MM)

A larva passa três semanas comendo às custas das operárias. A alimentação define seu futuro: quanto maior ela ficar, mais chances de ser soldado, por exemplo.

BITUS (3 MM)

São os únicos machos. “Homens-objetos”, nascem de ovos não fecundados da rainha, vivem poucas semanas e servem para ajudar a criar novas colônias.

Pensamento coletivo
Como elas pensam – e agem – melhor em grupo

PORTA DA ESPERANÇA
Em 2012, cientistas da Universidade do Estado do Arizona, EUA, desenvolveram oito formigueiros artificiais. Só metade tinha características apropriadas, como iluminação e tamanho ideais. As formigas precisavam escolher um formigueiro. Quando expostas sozinhas ao teste, elas escolheram os ninhos bons 50% das vezes. Já quando a colônia inteira teve de escolher, em todas as vezes elas foram para os ninhos habitáveis.

SEM FRESCURA À MESA

Manter uma dieta bem versátil também ajuda. “Elas podem explorar diferentes recursos de um ambiente sem limitação por especialização alimentar”, diz o biólogo Rodrigo Feitosa, da USP. Significa que as formigas não são como os pobres lagartos-de-chifres da Califórnia citados no início da reportagem, que morreram quando os bichos que eles comiam foram exterminados. Se uma fonte de alimento acaba, elas se organizam para procurar outra sem deixar o formigueiro desprotegido.

COLETIVIDADE

Em organismos eussociais, como formigas, são as características da colônia que são transmitidas às futuras gerações. Ou seja, o conceito de evolução se aplica ao coletivo, não ao individual. As formigas que não se reproduzem, como as operárias, têm mais tempo para se especializar em outras tarefas, como a busca de alimento e a defesa do ninho. Para os biólogos, essa capacidade de evoluir em grupo é um dos fatores que garantiram a sobrevivência das formigas por mais de 100 milhões de anos.

PARCERIA NA SIMBIOSE

Formigas têm relações simbióticas, ou seja, em que há vantagem para todos, com mais de 400 espécies de plantas, milhares de artrópodes, fungos e micro-organismos. Junto com as minhocas e os cupins, elas cumprem a tarefa de revolver o solo e enriquecê-lo com oxigênio. Até mesmo as formigas-cortadeiras, famosas por destruir folhas e flores, dão uma mão para a natureza. Os fungos que elas criam nos formigueiros servem de adubo para espécies de árvores como a embaúba, por exemplo.

7 MIL PAUZINHOS E UMA CANOA

Para não se afogar nas áreas inundáveis da Amazônia, formigas-de-fogo (ou lava-pés) juntam forças e formam um bote improvisado com seus próprios corpos. “Os insetos do gênero Solenopsis sobrevivem semanas sobre a água”, diz o biólogo Ricardo Solar, da Universidade Federal de Viçosa (MG). O bote permite a sobrevivência de grupos de até 7 mil formigas (incluindo a rainha e as larvas). Funciona porque elas têm um superpoder que repele a água e é tão eficiente que mesmo se você empurrar o bote para baixo ele volta à tona. (Clique para assistir ao vídeo da BBC).

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