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Afrouxem os cintos: o piloto sumiu

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Mattias Bränsström, pesquisador de segurança da Volvo, dirige pelo rodoanelque contorna Gotemburgo, cidade sede da empresa, na Suécia. Gosto de dirigir, mas não queria estar no lugar dele. A rodovia é tediosa, com curvas abertas e limite de velocidade severo. A condição do carona me cai muito bem, na manhã com garoa e frio. “Dia bom para andar de ônibus”, digo. Bränsström faz que sim, com a cabeça, e sorri. Pressiona um botão perto da buzina, tira as mãos do volante, relaxa os pés e vira um passageiro também. Estamos no Volvo Drive Me, carro semiautônomo capaz de acelerar, frear e mudar de direção sozinho (leia a experiência no quadro ao lado) em boa parte do caminho. Em maio, a Volvo apresentou o protótipo dos carros que pretende entregar a 100 motoristas comuns, entre 2017 e 2018, na primeira experiência com o grande público. Dias depois, o Google mostrou um carro autônomo, que não tem volante nem pedais. Por volta de 2020, dizem as maiores montadoras, o carro sem motorista estará nas lojas. Sua chegada tem potencial para mudar o mundo em assuntos tão diversos como o mercado imobiliário ou a política antidrogas.

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O carro que anda sozinho é um desafio mais complexo que a nave espacial, que chegou à Lua em 1959, ou que o avião com piloto automático, em uso desde a década de 1940. Aeronaves são menos numerosas, têm pilotos mais treinados e operam num ambiente mais controlado. Carros lidam com pedestres, animais, outros carros a centímetros de distância, sinais de trânsito, buracos na pista e alagamentos, entre tantas outras variáveis. “A única vantagem do carro autônomo é que, parado, ele não cai. De resto, tudo é mais complicado do que em aeronaves”, afirma Erik Coelingh, diretor técnico da Volvo, responsável pelo projeto Drive Me. Em 2004, o departamento de defesa dos Estados Unidos ofereceu US$ 1 milhão a quem fizesse um carro capaz de andar sozinho no deserto, num cenário de guerra. Ninguém conseguiu. No ano seguinte, cinco equipes chegaram lá – a vencedora foi a Universidade Stanford, da Califórnia, com um modelo equipado com câmeras de vídeo, GPS e um radar a laser. O resultado daquela disputa deu início a outra, ainda mais feroz, para levar o carro autônomo ao mercado consumidor. Nessa corrida estão gigantes da computação, como Google e Intel, e gigantes da área automotiva, como Toyota, General Motors e Volkswagen. Na disputa por esse novo mercado,  não é possível antecipar que empresas  sobreviverão à competição pela convergência da alta tecnologia com a mobilidade. Segundo uma pesquisa de opinião da consultoria KPMG, os potenciais futuros consumidores do carro autônomo depositam hoje maior confiança nas empresas de tecnologia que nas montadoras para entregar um produto confiável. Algumas delas já andaram vários quilômetros na direção do carro sem motorista, que hoje roda em estradas nas imediações das empresas, em testes. O Google afirma que  rodou 1,1 milhão de quilômetros em carros convencionais equipados com seu sistema. Registrou dois acidentes – em ambos, o carro estava em modo manual, dirigido por humanos.
 

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O Drive Me, da Volvo (acima), chegará ao público até 2018. O carro do Google (abaixo) nem volante tem (Foto: Divulgação)

A popularização dos carros sem motorista poderá também trazer benefícios ao meio ambiente. Ao trocar informações e trabalhar em conjunto com ruas e outros carros, o carro autônomo contribuirá para reduzir a poluição. A Nedo, uma agência de pesquisas de eficiência energética ligada ao governo do Japão, afirma que caminhões reduzem o consumo de combustível em 15% ao andar em comboio, a poucos centímetros uns dos outros, como fazem ciclistas e pássaros. Segundo o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, 40% do gasto de combustível em cidades congestionadas decorre da procura de uma vaga para estacionar. Isso deixa de ser um problema quando o carro deixa o passageiro na porta do restaurante e vai sozinho para a garagem.

 Apesar de proporcionar vantagens evidentes à sociedade, implantar carros autônomos não será simples. Eles são caros. Só o conjunto de radares usado pelo Google custa R$ 200 mil. “O carro autônomo traria mais benefícios à sociedade que a seu próprio comprador”, afirma o pesquisador americano James Anderson, autor do estudo A tecnologia do carro autônomo – Um guia para políticas públicas. “Sem incentivos oficiais, esses carros podem se desenvolver mais lentamente, ou aquém de seu potencial.” É difícil convencer governos a fomentar a produção de um veículo particular capaz de roubar passageiros do transporte público e, talvez, piorar os congestionamentos. “O carro autônomo dá mais eficiência ao trânsito. Mas esse ganho pode não compensar um aumento no número de veículos”, diz Anderson. Por causa desse possível efeito, a popularização dos serviços de compartilhamento de veículo, que já ganham mercado no mundo todo, poderá facilitar a implementação dos carros autônomos. Para os usuários, pagar por uso daria acesso a um produto mais caro. Para o fabricante, alugar ajudaria a manter a frota sob sua responsabilidade. 

>> James M. Anderson: “Homens não são bons em dividir responsabilidade”

Há também intrincadas questões jurídicas no caminho do carro autônomo. Não se sabe quem responderá legalmente por danos causados por um carro sem motorista: o proprietário ou o fabricante? Nos Estados americanos, como Nevada, onde os carros autônomos já foram autorizados, há a obrigatoriedade de um responsável a bordo, em condições de assumir o controle. Embora seja tecnicamente possível, o motorista também não pode dormir nem ler um jornal enquanto o carro anda. Pela mesma necessidade de ter um motorista apto a bordo, o carro autônomo do Google ganhará volante e pedais para circular. A exigência de um motorista resolve a questão legal na teoria, mas não na prática. “Humanos não são muito bons em monitorar uma máquina encarregada de fazer a maior parte do trabalho”, diz Anderson. “A divisão de tarefas terá de ser muito clara.” Diante da dificuldade de criar um carro que tenha autonomia em todas as situações, sem a necessidade da intervenção de um motorista, as empresas desenvolvem duas soluções. O Google apresentou um carro limitado ao uso urbano, com velocidade de até 50 quilômetros por hora. A Volvo desenvolve um carro com volante, capaz de andar sozinho em estradas.

>> Carros estarão conectados à internet em 2025, dizem especialistas

A questão da responsabilidade pelos atos dos carros autônomos vai além de discutir quem pagará pela batidinha na garagem. No trânsito, máquinas estarão sujeitas a dilemas morais, como escolher entre atropelar um animal e um ser humano, entre a vida de um passageiro e a de um pedestre, ou entre a pequena chance de matar muitos e a grande chance de matar um. Decisões hoje de caráter pessoal, tomadas em instantes de pânico, serão transformadas em linhas de código no cérebro eletrônico dos carros autônomos. A sociedade está pronta para isso? “Não queremos impor leis nem padrões ainda, para não inibir a inovação”, diz Peter Larsson, consultor da Agência de Transportes da Suécia. “Por mais que a gente gaste milhões em pesquisas, é impossível prever todas as consequências dos carros sem motorista”, diz Coelingh, da Volvo. “Entregaremos alguns ao público, numa condição controlada, veremos como a sociedade reage, e então soltamos mais.” 

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(Marcelo Moura viajou a convite da Volvo)

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