SÃO PAULO (BDCi) — O GP da Itália de 2012, disputado no último fim de semana, foi marcante para o automobilismo brasileiro. Não apenas porque dois representantes do país chegaram ao fim da prova na zona de pontuação, mas principalmente porque a bandeirada recebida por Felipe Massa e Bruno Senna neste domingo em Monza remete de forma inevitável a outra bandeirada, que mudou os rumos do esporte por estas bandas. Há quatro décadas, ao vencer o GP da Itália de 1972, Emerson Fittipaldi conquistou também o primeiro título mundial de um brasileiro na Fórmula 1.
Não por acaso, aquele 10 de setembro é considerado uma espécie de “Dia D” do automobilismo no Brasil. O feito do “Rato” abriu portas no exterior para dezenas de pilotos que chegariam à Fórmula 1 e a outras grandes categorias do esporte a motor. Nestes 40 anos, muita coisa aconteceu pelas pistas do mundo. Como a consagração de Nelson Piquet e Ayrton Senna, que se tornaram tricampeões da maior categoria do automobilismo, e o surgimento de outras gerações de vencedores de corridas que passaram perto do título, como Rubens Barrichello e Felipe Massa. E, claro, a ida do próprio Emerson para os Estados Unidos, onde foi novamente pioneiro ao ingressar na Fórmula Indy e levar consigo outras dezenas de compatriotas. Feitos que enchem de orgulho o ex-piloto, hoje com 65 anos.
– Esta comemoração é de todo o Brasil, de todos os que me ajudaram nesta carreira até hoje. Por isso, minha comemoração vai muito além do Emerson. Todos nós temos que comemorar este título mundial – disse Fittipaldi à TV Globo, durante sua participação como comentarista convidado no GP da Itália.
De fato, a efeméride é digna de comemoração, não apenas pela data “redonda”. Desde que Emerson Fittipaldi começou a competir na Fórmula 1, o Brasil acumulou até hoje 101 vitórias, 125 poles, 87 voltas mais rápidas e 285 pódios. Sem contar os oito títulos conquistados no período exato de 20 temporadas, entre a primeira conquista de Fittipaldi, em 1972, e a terceira de Ayrton Senna, em 1991. O legado do bicampeão – que garantiria o segundo campeonato em 1974 – inclui até a aposta em um time brasileiro na F-1, um sonho que ele transformou em realidade ao lado do irmão Wilsinho. A equipe disputou oito temporadas, cinco delas com o próprio Emerson ao volante.
Velocidade desde a infância
Emerson tinha a quem puxar tanto pioneirismo. Graças ao contato íntimo do pai com o mundo da velocidade, ele se apaixonou pelo ambiente das corridas muito cedo. Wilson Fittipaldi, o “Barão”, é um dos grandes responsáveis pelos primeiros passos do esporte a motor no Brasil. Fundador da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), apresentador de programas temáticos na TV e o primeiro narrador da modalidade no rádio brasileiro, ele teve na falecida mulher Juze, com quem foi casado por 63 anos, uma grande aliada para despertar naquele menino uma ligação tão forte com o esporte a motor.
– Tudo começou nas primeiras vezes que meu pai me levou a um autódromo, quando eu tinha quatro ou cinco anos. Minha mãe o ajudava nas coberturas e na organização das corridas, e eu e meu irmão ficávamos dentro de um círculo de giz que ela desenhava nos boxes, observando tudo muito de perto. Mais tarde, fui mecânico do meu irmão Wilson quando ele andava de kart. Naquela época, tinha que ter 17 ou 18 anos para andar de kart, então comecei nas motos de 50 cilindradas, escondido dos meus pais. Mas logo minha mãe descobriu, porque eu ganhei uma corrida que ela estava assistindo dentro do autódromo – contou Emerson em entrevista ao programa “Linha de Chegada”, do jornalista Reginaldo Leme, que comemorou em Monza seus 40 anos de cobertura do Mundial de Fórmula 1.
Alguns anos mais tarde, os pais estariam novamente ao lado de Emerson, mas desta vez sem que ele precisasse esconder algo deles. Ao contrário, ele contou com a ajuda de ambos para que seu feito histórico chegasse a milhares de lares em todo o Brasil.
Naquele 10 de setembro de 1972, coube a um emocionado locutor da rádio Jovem Pan a tarefa de transmitir a conquista do título mundial do então piloto da Lotus. Imparcial na medida do possível para um pai, o “Barão” quebrou a formalidade ao chamar a mãe do novo campeão para dar um depoimento ao vivo, homenageando o filho que lhes dava tanto orgulho naquele momento. Mesmo após tanto tempo, a narração histórica de Wilsão, atualmente com 92 anos, ainda mexe com Emerson.
– O momento inesquecível daquele título é a vitória em Monza. Toda vez que escuto a narração do meu pai, é uma grande emoção – relembra Emerson, que àquela altura, com 25 anos, tirou de Jim Clark o posto de piloto mais jovem a conquistar um título da Fórmula 1. A marca só seria batida em 2005 por Fernando Alonso.
Drama, dúvidas e lágrimas em Monza
Emerson chegou à Fórmula 1 pela equipe Lotus, do lendário engenheiro Colin Chapman. Logo em sua primeira temporada, em 1970, viu a morte do companheiro Jochen Rindt em um acidente no mesmo circuito de Monza. Duas provas mais tarde, o brasileiro venceria sua primeira corrida, em Watkins Glen, nos Estados Unidos, e daria o único título póstumo da categoria ao austríaco. Promovido a principal piloto da Lotus, Emerson iniciou a temporada de 1972 como um dos favoritos. O já bicampeão Jackie Stewart, da Tyrrell, e o belga Jacky Ickx, da Ferrari, despontavam como os principais rivais do brasileiro.
Apesar de apresentar boas performances, Emerson só venceria pela primeira vez na terceira etapa, o GP da Espanha, em Jarama. Na ocasião, já liderava o campeonato empatado com o neozelandês Denny Hulme, da McLaren. O GP da Bélgica, quinta corrida da temporada, em Nivelles, marcou o segundo triunfo do piloto no ano. A regularidade era a maior arma do brasileiro, e fez com que ele aumentasse a vantagem para nove pontos, o equivalente a uma vitória na ocasião.
As próximas cinco corridas deixariam claro o domínio de Emerson naquele ano. Foram três vitórias (Inglaterra, Áustria e Itália), um segundo lugar e um abandono. A corrida de Monza, em especial, marcaria a conquista do campeonato, com duas provas de antecipação. Mas não foi fácil. Emerson passou por muitos problemas no fim de semana. O primeiro deles ocasionado por um acidente com o caminhão da equipe a caminho do circuito, que destruiu seu carro. A Lotus teve de participar da prova de Monza apenas com um carro, um modelo mais antigo, de testes, que apresentou um vazamento de combustível a menos de uma hora para a largada.
– Em Monza perdi um grande amigo e campeão, Jochen Rindt. Antes de ir para a pista tinha que apagar essa memória de 1970, pois poderia me atrapalhar. Estava determinado não só a tentar ganhar o campeonato, mas queria também vencer o GP da Itália. Voltando para o box após o treino de aquecimento, senti um frio nas minhas costas. O tanque de gasolina estava vazando, pânico! Entrei no motorhome, me desliguei de tudo e só pensava comigo mesmo: “não vou perder o equilíbrio, o carro vai estar pronto”. Faltavam alguns minutos para fechar a saída do box quando o time me chamou e disse que o carro estava pronto – conta Emerson, retratando a tensão pré-corrida.
Na largada, Ickx assumiu a primeira posição e Stewart abandonou a corrida por uma quebra na suspensão logo no início. Fittipaldi, que largara em sexto, vinha em terceiro, administrando a situação. Na 38ª volta, o neozelandês Chris Amon, da Matra, que estava em segundo, teve um problema de freios e abandonou. Na 46ª, Ickx sofreu uma pane elétrica em sua Ferrari e abriu caminho para a vitória de Emerson, que precisava apenas de um quarto lugar para conquistar seu primeiro título mundial na Fórmula 1.
– Quando completei a primeira volta, a equipe me sinalizou que o Stewart estava fora. Pensei “que bom”, mas não me conformei em só terminar a corrida para garantir o campeonato. Eu queria vencer o GP da Itália. As últimas dez voltas desse GP foram as dez voltas mais longas da minha vida! Entrando na Parabólica, a última curva, faltavam alguns metros e pensei que se quebrasse o motor ou câmbio, conseguiria, no embalo, atravessar a linha de chegada em neutro. Vi o Colin Chapman pulando na pista, jogando o boné para o alto, comemorando não só mais uma vitória da Lotus, mas meu campeonato mundial. Eu não tinha rádio, mas estava gritando e chorando no carro com muita emoção. Quando voltei ao box, o publico italiano começou a invadir a pista. Parei a Lotus e encontrei a minha família, meus pais, meu irmão, todos gritando e chorando – recorda o campeão.
Vice em 1973 e 1975, Emerson tornaria a ficar com o título em 1974. Encerrou a carreira na Fórmula 1 em 1980, após 144 GPs, seis poles e 35 pódios, entre eles 14 vitórias por Lotus e McLaren e um inesquecível segundo lugar no GP do Brasil de 1978, guiando o carro de sua própria equipe. O brasileiro competiu em categorias internacionais de forma regular até 1996, aos 49 anos, quando um acidente no oval de Michigan, nos Estados Unidos, quase o deixou paraplégico. Dedicado empresário, atualmente ele acompanha a carreira dos netos na Nascar e trabalha na organização das Seis Horas de São Paulo, etapa brasileira do Mundial de Endurance, que será disputada no próximo sábado no mesmo circuito de Interlagos onde sua história começou. E que teve em Monza, em 1972, um de seus mais brilhantes capítulos.
– Já se passaram 40 anos deste dia, mas a paixão por corrida de automóvel continua igual – frisa Fittipaldi.
Por: Ubiratã Farias
Fonte: g1.globo.com
Foto: br.esportes.yahoo.com
Data: 10 de setembro de 2012, 5:58 p.m. PST